Lena era uma boa esposa. Essa é a primeira coisa que você precisa saber a respeito dela.
Ela cozinha todos os dias. Sempre uma refeição inédita. Seu marido só come pratos repetidos quando pede por eles. De resto, é sempre uma invenção, um teste para saber se ela tem mesmo as habilidades gastronômicas das quais seu marido se gaba em jantares e reuniões de família.
Um dia, ela passou o domingo inteiro na busca do beef wellington perfeito. Fez a própria massa folhada, deixou a carne marinando no tempero que ela mesma preparara, escolheu os cogumelos mais caros para envolver a peça de filé mignon.
Além disso, ela lava roupas todos os dias. Estende, recolhe, passa e dobra. A casa está sempre um brinco. Se você não conhecesse Lena, diria que só carecas moram no sobrado da esquina, pois o chão não tem um fio sequer de cabelo. Não há farelos de pão, nem manchas na parede, nem ao menos pó residindo no canto dos móveis. Às vezes, é difícil acreditar que alguém mora ali.
Os vizinhos sabem que um casal reside no sobrado porque ouvem os gritos de Lena, os gritos do marido, o choro dela e logo em seguida, os pedidos de desculpa dele que ele faz questão de dizer em alto e bom som.
Lena tem uma mão impecável para maquiagem. Há mais ou menos seis anos ela esconde os olhos roxos com o tom certo de corretivo, enterra os hematomas com camadas de pó e base. Aprendeu até mesmo a disfarçar os relevos de mordida com iluminador.
Quando bate a cabeça e se sente confusa por alguns dias, Lena prefere receitas fáceis ou que permitam a panela passar um bom tempo no fogão.
Hoje ela faz sagu. É a sobremesa.
Para o jantar, está cozinhando um molho putanesca pela primeira vez. Pela manhã, fez seu próprio espaguete. Escolheu os ovos caipiras – laranjas o suficiente para darem a cor viva na massa –, comprou a melhor farinha e fez quilos e quilos de macarrão. Podem passar meses comendo-o.
Mas está concentrada no sagu. Já fez a calda de baunilha, já deixou a janta pronta.
Seu marido chega. Eles jantam. Ele não para de falar. Lena ouve tudo, concorda, assente, sorri e ri nas horas certas. Quando é sua vez, fala do sagu.
Serve a sobremesa numa cumbuca pequena, cobre com a calda, coloca na frente do marido e sorri para ele. Dá um beijo em sua bochecha e murmura “tudo por você”.
Ele come com gosto, repete. Diz que é a sobremesa perfeita. Os cantos dos lábios ficam com resíduos da calda. É nojento, mas Lena não se importa.
Depois da segunda vez, ele aperta a barriga. Diz que não está se sentindo bem. Sua língua formiga e ele se sente confuso. Ele perde o ar, cai da cadeira convulsiona, quando volta a si, perde o ar de novo. Morre. No chão da cozinha. Lena assiste a tudo recostada à bancada.
Ela recolhe os pratos, lava a louça, guarda tudo. Joga o sagu fora. Guarda o resto do molho em um pote e etiqueta com a data que foi feito.
Sobe para o quarto, pega as malas e embarca no carro. O sobrado da esquina está limpo e silencioso.
Como eu disse, Lena era uma boa esposa.