#06 — É nojento, é estranho e... tem 100 mil visualizações
Tudo pelo choque. Até Pringles na panela.
Grandes blocos de cheddar numa travessa de alumínio. Quantidades absurdas de margarina para fazer uma tapioca. Torta de refrigerante. Se você não passou por nenhum vídeo com essas descrições enquanto rodava o TikTok, considere-se sortudo, porque o valor do choque, às vezes, se sobrepõe à comida.
Se você navegar pela hashtag #food ou #foodtok, vai encontrar todo tipo de conteúdo focado na gastronomia. Desde grandes chefs montando seus pratos como obras de arte ou donas de casa dando suas dicas para almoços simples, mas deliciosos. No entanto, se você for um pouco mais adentro do mundo gastronômico na rede social, vai encontrar um nicho bem específico de preparações no mínimo grotescas de comidas.
Esses vídeos causam números impressionantes de visualizações e comentários, seja pela revolta, pelo choque ou até mesmo por gente se desafiando a fazer a mesma receita que nem de longe parece apetitosa.
Por priorizar visualização e interação, é óbvio que esses vídeos se espalham e nascem de forma desordenada. Quanto mais reação do público – independente se negativa ou positiva –, mais viralizado um vídeo se torna. Sem contar que quando nos deparamos com algo tão absurdo, é um reflexo do ser humano crítico de compartilhar o conteúdo com alguém para provocar um choque tão grande quanto o que tivemos.
O algoritmo do TikTok valoriza a retenção de espectadores e a interação. Para muitos criadores, esse é o único caminho para o sucesso. Eles sabem que, ao postar algo chocante, a probabilidade de as pessoas continuarem assistindo é maior. O objetivo, muitas vezes, não é compartilhar uma receita real, mas sim garantir visualizações, curtidas e comentários – o que leva à monetização.
Criadores de conteúdo percebem que quanto mais extremo o vídeo, mais viral ele pode se tornar. Nisso, o que mais importa não é a originalidade, é o quão ridícula uma receita pode se tornar.
No primeiro momento, pode parecer algo inofensivo, cômico, ou até mesmo uma maneira de se rebelar às regras tão rígidas da alta gastronomia, mas com o tempo, esse tipo de comportamento e conteúdo pode influenciar nossa relação com a comida.
Há o perigo de não vermos a comida como meio de nutrição, seus aspectos sociais, culturais e até mesmo familiares para apenas enxergamos nossas refeições como meio de entretenimento, algo a ser descartado e desperdiçado com muita facilidade e rapidez.
Para os mais jovens, crescendo nesse mundo cheio de estímulos digitais por todos os lados, a relação com a comida pode acabar ficando rasa, mais focada nas fotos e vídeos que aparecem na tela do que no real prazer de preparar e saborear uma refeição. Quando a comida vira só mais um espetáculo para entreter, algo essencial nela se perde pelo caminho.
Toda vez que me deparo com esse tipo de vídeo, seja ele intencional ou não, sinalizo ao aplicativo que o tipo de conteúdo não me interessa. Mesmo que seja apenas um grão de areia na montoeira de vídeos esquisitos e gastronômicos, tenho tentado fazer a minha parte. Uma banheira de Nutella por vez.