– …Já tô com a carne aqui, pode falar.
– Você deixou de um dia pro outro?
– Ah, não. Eu não sabia disso.
– Tudo bem, da próxima você já sabe. Que carne você comprou?
– Posta branca. Fui naquele mercado da rua aqui do lado. Lembra, mãe? Aquele que você entendia mais que o açougueiro.
– Ah – ela ri. – Coitado, acho que ele era novo.
– Eu temperei com sal e pimenta a carne.
– Colocou colorau? Precisa de colorau pra dar uma cor bonita.
– Coloquei, coloquei – ela apanha o pote do tempero e esfrega rapidamente no pedaço de carne enquanto equilibra o telefone sem fio entre a orelha e o ombro. – Eu cortei cenoura, cebola, calabresa e bacon pra rechear.
– Não vai colocar pimentão?
– Fica bom?
– Sim. Se você usar o amarelo, então, fica uma maravilha.
– Vou lembrar disso na próxima vez.
– Tá bom, tá bom. Agora é o seguinte: pega todo esse recheio e espalha no pedaço de carne. Ela tá aberta aí na sua frente, né?
– Tá.
– Coloca o recheio então.
A filha faz o que a mãe instrui.
– Pronto.
– Agora você vai enrolar a carne com cuidado. Vai com calma pra não cair tudo pelas beiradas.
– Tá bom, peraí.
Ela enrola a carne vagarosamente, usando as palmas das mãos nas laterais para conter qualquer recheio de escapar.
– Pronto, enrolei.
– Tá com o barbante por aí?
– Sim, tá aqui do lado.
– Amarra a carne com ele, como se estivesse embalando um presente.
A filha passa o barbante pelas laterais e por cima da carne. Quatro pontos diferentes sustentando a peça vermelha e suculenta.
– Pronto.
– Agora é o seguinte: liga a panela e deixa ela esquentar um pouquinho.
A filha acende a boca de trás, a maior que tem.
– Como você tá? – a mãe pergunta, enquanto o fogo faz seu trabalho.
– Bem. Hoje o dia tá bom, acho que a gente vai sair à tarde. E você? Sua tosse passou?
– É… daquele jeito, mas não adianta reclamar. O que eu posso fazer, né? – ela sorri do outro lado. – Sua panela esquentou?
– Sim, já tá saindo fumacinha.
– Então agora coloca um pouco de azeite.
A filha despeja o azeite na panela.
– Pronto.
– Pega a carne, com cuidado, e coloca na panela. Depois de uns cinco minutos, vira ela.
A filha dispõe a carne na panela, ouve o chiar do azeite em contato com a carne fria. A cozinha se enche do aroma pelos cinco minutos seguintes. A filha vira a carne de novo. Mais chiar, mais aroma.
– Você não precisa ter a carne perfeita agora, tá? Lembra que a panela de pressão vai fazer todo o trabalho.
– Pode deixar.
– Se a sua carne tiver douradinha, pode tirar.
A filha confere os dois lados da carne, tudo numa cor perfeita.
– Tá douradinha.
– Tira a carne, deixa ela de lado. Pode colocar a cebola.
A filha deixa a panela vazia, para logo em seguida cobri-la com tiras de cebola branca. O cheiro é ainda mais delicioso, uma mistura de essências.
– Quando a cebola estiver bem corada e macia, pode colocar o tomate.
A filha despeja os cubos vermelhos, assistindo-os se juntar na panela.
– Quando eles ficarem macios, devolve a carne pra ela, coloca extrato de tomate, um pouco de água e fecha a tampa da panela. É o seguinte, quando começar a pegar pressão, conta vinte minutos. Depois dos vinte minutos, desliga e espera a pressão sair sozinha. Depois, abre a tampa e ver como tá a carne, se precisar colocar mais sal depois, você coloca, sem problemas.
– Tá bom, vou fazer isso.
– Mais tarde me liga pra dizer como ficou, tá?
– Tá. Acho que vai ficar bom, mas não melhor que a sua.
A mãe ri.
– Imagina, você é minha melhor aluna.
Esse conto de hoje foi inspirado numa conversa de almoço de Ano Novo. Minha mãe falou que lá pelos meados dos anos 2000, ela ligou para a minha avó para que ela ensinasse a receita da famosa carne de panela dela. Foi assim, por um telefone sem fio, que a minha mãe aprendeu a fazer um dos pratos que hoje, pra mim, é uma das marcas registradas dela na cozinha. Na época, a distância entre ela e a minha avó era de quase 400 quilômetros. Hoje, é um pouco mais. Mas imagino que toda vez que minha mãe faz essa carne de panela, ela deve ficar mais pertinho do céu.
PS.: Desculpem pelo sumiço, além de ser professora e estar atarefada com provas finais e exames, também enfrentei uma mudança de apartamento nos últimos dias do ano. Mas agora encontro vocês toda sexta-feira, 12h. Seja com uma receita ou alguma história pra contar. E pra você ler na cozinha. Feliz 2025!
Só pra variar estou lendo e chorando!
Uma delícia de ler. Tenho uma pergunta, seria possível vender a continuação de dias dourados?